
Muita gente ao redor da Terra, exceto quem vive na Península Ibérica, na metade ocidental da África, e na porção leste da América do Sul, que corresponde a cerca de 80% desse continente, com o imenso Oceano Atlântico no meio, viu o disco venusiano cruzar lentamente a superfície incandescente do Sol, no que foi o último do século.
O evento aconteceu ao longo de cerca de 7 horas, entre 5 e 6 de junho de 2012, e foi, sem dúvida, o evento astronômico mais importante e esperado daquele ano.
Quem morava na faixa de exclusão não apreciou o fenômeno simplesmente porque era noite, enquanto no resto do mundo era dia.
Durante o trânsito, o planeta Vênus esteve em uma configuração astronômica chamada conjunção inferior e portanto, passou exatamente entre a Terra e o Sol.
Minúscula silhueta de Vênus contra disco fulgurante do Sol
Portanto, a minúscula silhueta de Venus pode ser vista de encontro ao disco fulgurante de nossa estrela, correspondendo a apenas cerca de 3% do tamanho dele.
Para compreender como trânsitos ocorrem
Para compreender como trânsitos ocorrem, considere que há a uma relação entre os planos orbitais de Vênus e da Terra, em volta do Sol.
Os dois planos se tocam duas vezes todos os anos, ao longo de uma linha chamada linha de nodos, nos dias 7 de junho e 8 de dezembro.
Os trânsitos ocorrem somente quando Vênus se encontra em conjunção inferior no intervalo de cerca de mais ou menos um dia, em torno dos dias 7 de junho e 8 de dezembro.
Portanto, são eventos extraordinariamente raros que acontecem em duplas. O de 2012 teve seu par em 2004, que por sua vez, ocorreu após um longo hiato de mais de um século desde o última dupla, em 1874 e 1882.
Testemunhei trânsito de 2004
É verdade que trânsitos de Mercúrio também acontecem e eu mesmo já testemunhei um, ocorrido algum tempo depois do trânsito venusiano de 2004.
Contudo, o de Vênus foi, para mim, bem mais marcante. Foi no dia 8 de junho daquele ano e lembro como se fosse hoje. Quando o dia amanheceu, corri para observar o trânsito, que já estava em andamento.
Não dispunha de recursos para observar detalhes como a silhueta da atmosfera venusiana. Apesar disso, foi especialmente marcante a passagem de Vênus de Estrela Vésper para Estrela d’Alva. Contudo, o que me chamou mais atenção mesmo foi o próprio Sol, como relato no post … e a estrela foi mesmo o Sol.
O trânsito venusiano mais aguardado
Observei o fenômeno do quintal de minha casa, olhando para o Sol ao nascer, através de óculos especiais. A impressão que tive sobre o fenômeno resultou em um longo artigo que fiz em seguida e neste blog, em 1º de setembro de 2014, como referido acima.
Vale ressaltar que o trânsito venusiano mais aguardado de todos foi, seguramente, o de 1871. Alertados pelo astrônomo inglês Edmond Halley – sim, o que definiu a periodicidade do famoso cometa que leva seu nome – seus pares de praticamente todas as partes do mundo acorreram para diferentes locais do globo onde o fenômeno seria visível.
O objetivo, proposto por Halley, era medir a duração do trânsito, que ele previra para aquele ano, e, com base nos dados de paralaxe, calcular, trigonometricamente, a distância Terra-Sol, chamada Unidade Astronômica (UA). Halley morreu antes do trânsito, mas o método sugerido por ele, para calcular a UA, se mostrou impreciso.
Efemérides do trânsito de 2014
O trânsito de 2014 começou com Vênus ainda Estrela Vésper, às 19h10 de terça-feira, 5 de junho, horário de Brasília, quando houve o primeiro contato. Foi o momento preciso em que o limbo do disco de Vênus tocou a borda incandescente do disco solar.
O segundo contato foi 18 minutos mais tarde, às 19h28, quando o limbo à retaguarda do planeta passou pela borda aparente da estrela e o minúsculo disco negro venusiano se encontrou inteiramente visível.
Vênus não passou exatamente pelo centro do disco solar, mas esteve o mais próximo dele às 22h30. O terceiro contato se deu a 1h32 de quarta-feira, 6.
E, 18 minutos depois, 1h50, aconteceu o quarto contato, após o que o trânsito terminou e Vênus, antes Vésper passou a Estrela Matutina.
A verdade é que, quem perdeu o par de trânsitos atual, perdeu a última chance da vida de apreciar o fenômeno. A próxima dupla de trânsitos venusianos será testemunhada por nossos filhos e netos, porque só acontecerá em 2117 e 2125.